quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A Idade da Loba

... E o tempo passou...
Olhamo-nos ao espelho e vemo-nos na famosa idade, aquela, a da loba.
Até aqui, nada de novo. Primeiro estranha-se, depois entranha-se, como tudo na vida, diga-se a bem da verdade.
Numa bela noite, porém, tudo muda. Estranhamos, estranhamos e nunca mais nos passa aquela sensação de estranhamento.
Entramos num café, aquele que nos conhece há anos e anos, aquele que nos viu crescer, e miramos os seus ocupantes com um olhar difuso e indiferente. Sentados na mesa costumeira, um grupo de antiquíssimos conhecidos fuzila-nos com a não menos antiga conversa "Fosga-se, há quanto tempo..." ou "Ora, ora, vieste à cidade?...".
Até aqui, tudo bem.
A páginas tantas, mesmo a meio caminho entre um cigarro e outro, levantamo-nos e dirigimo-nos, sempre acompanhadas por outro elemento do mesmo género, à imaculada brancura de uma requintadíssima salle du bain. E é aqui que o caso assume contornos inimaginados. Alguém nos atira "É pá, tu és comó vinho do Porto, quanto mais velha, melhor". E o mundo pára. Pára, acreditem que pára.
Contamos até dez: "1, 2, 3, ..., 10", mas não resulta. Experimentamos uma nova contagem: "1, 2, 3, ..., 10". Nada.
A amiga estranha o nosso semblante e, perplexa, revira os olhos enquanto sibila "Que cara é essa, pá? O gajo elogia-te e ficas com essa carita de quem não comeu porque, e só porque, não gosta da comida?" .
E aí sentimos a estocada derradeira.
É mesmo assim.
Andamos nós, vida fora, cultivando a paciência e um corpo absurdamente fantástico. Andamos nós lindas, livres, leves e, finalmente, soltas a exibir os nossos potenciais recursos e, eis senão quando, nos sentimos incomodadas com semelhante impropério vociferado, surdinamente, por um qualquer caramelo???!
E depois pensamos: "Mau, mau, não deveríamos estar rejubilantes com tal elogio? Que mal nos fará chegarmos ao c.c.d. de uma verdade que sabemos saltar à vista?”. E se bem pensamos, melhor encontramos a resposta. "Pronto, já está o caldo entornado." .
Entornado, sim ... entornado.
Nesta idade de lobas esfaimadas, com a segurança e a auto-estima firmemente instaladas na nossa quotidiana rotina, estamos à espera de tudo. De tudo, menos desta incontornável certeza: Andamos mais pacientes, sem dúvida; andamos lindas, obviamente; andamos livres, claro sempre o fomos; leves, basta olhar para a balança; finalmente soltas, ….
Soltas!… Soltas?... Soltas???...
"Pronto, já está o caldo entornado."
Entornado, sim ... entornado.

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