sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Chover a cântaros

Certa noite, rodeado da habitual e hilária tertúlia, pelo meio de um cigarro e de um copo, a remate de um real repasto, surgiu uma questão que não nos deixou alternativa senão adiarmos a resolução de mais alguns problemas, que apoquentam este nosso mundo em que vivemos, e que carregamos com a devida responsabilidade: “Será cântaro ou enfusa?”.
Nem mesmo com os sempre necessários regionalismos à mistura conseguimos resolver esta contenda.
Depois de um indispensável período de dura reflexão e de incansável consulta, nos mais rebuscados compêndios, cheguei à conclusão que há diferenças. Há sim senhor!
Senão vejamos:


Cântaro – vasilha grande e bojuda para líquidos; medida equivalente a meio almude. O cântaro com abano é também um instrumento musical popular em algumas regiões de Portugal. É um instrumento em que o executante bate com o abano na bilha e produz um som grave, como que substituindo o som e a função do bombo, marcando o ritmo da música, logo, e de acordo com o comportamento das ondas sonoras em função do espaço onde se expandem, tem de ser um “instrumento” de grandes dimensões. Curiosamente, alguns grupos folclóricos portugueses de Peniche, da Nazaré, do Bombarral, da Guarda, etc., usam o cântaro com abano - “grande quarta de barro” - sem buraco lateral. É tocado com um abanador na abertura, produzindo um som grave que reforça o acompanhamento rítmico.

Enfusa – quarta pequena ou bilha de barro, vaso onde se deita água. Dentro dos instrumentos característicos do Alto e Baixo Alentejo destaca-se “ronca”, feita com uma enfusa cuja boca é tapada com pele por onde passa uma vara. Era utilizada especialmente na época natalícia pelos rapazes que percorriam as ruas tocando a ronca, desaparecendo pouco depois da meia-noite.

Pronto, está desfeito o imbróglio. Penso eu. Acalento eu.
Se assim não fosse, imaginem lá agora todas aquelas pessoas que, com uma tradição secular, vêm perpetuando todos esses rituais da música folclórica portuguesa.
“Olha c’um camandro, então não temos andado enganados estes anos todos?! A gente tem andado é a tocar uma enfusa, cuaralho!...” diziam os da Guarda.
E os do Alentejo “Atão, mas nã éi qu’esses cabrões nos têm andado a enganari?! Ata, mas esta porra agora chamassi cântaro?! A modos de quêi? Ai a porra!...”
E nem podemos/devemos falar muito mais disto. É perigoso. É muito perigoso. Shiiiiiu….sshhh……shhhhhhhh…………
Se isto chega às auriculas dos nossos “amigos” da ASAE, f*dem logo essas tradições. É logo!
Começam logo a implicar porque os cântaros e as enfusas devem ser confiscadas e destruídas por não oferecerem condições de salubridade para conter água potável; que os tocadores de cântaro e abano devem usar protecções para os ouvidos e olhos, não vá o cântaro perigosamente estilhaçar-se e provocar-lhe uma morte agonizante e para proteger os ouvidos das frequências mais graves; que os rapazes já não podem tocar as enfusas, segundo a tradição natalícia, porque podem partir a vasilha e cortarem-se nos cacos e nem as varas podem ser de vara, tem de ser tudo de plástico.
E vinha logo aí mais outro Acordo Ortográfico e perdíamos logo mais um colhão de palavras para os manos do samba e das novelas. E ainda seriam impostas expressões diferenciadas como “Chover a cântaros” (se chove muito) e “Chover a enfusas” (se chove pouco), de acordo com o índice de pluviosidade.
Por isso chamem-lhe o que quiserem, mas não façam nenhum chavascal, porque tantas vezes vai a cantarinha (outra definição???) à fonte, que deixa lá a asa.

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