domingo, 29 de julho de 2007

Voei...

Caro Trovador:
Li atentamente esta sua dissertação filosófica. Fiquei fascinada com os pormenores requintados com que a presenteou e, sem disso ter consciência, dei por mim a divagar… Voou a minha imaginação para locais, mais ou menos, perdidos nos recônditos desta nossa aldeia global, voou o meu sorriso para paisagens de imenso horizonte, voou…
Saí de mim mesma e observei-me então a conduzir o meu convertível vermelho (está bem, está), cabelos ao vento (depois de ter gasto uma fortuna no cabeleireiro), a maquilhagem na dose certa, aquele vestido preto que me cai na perfeição, aquela sandália de salto alto preta, a lingerie escolhida a dedo para causar o tal impacto a quem tem paciência para a descobrir – antes ou depois – e, claro, aquele toque de perfume que, eu sei, tem tudo a ver comigo. Observei-me assim e agora o que quer que eu lhe diga???
As paisagens correm velozes, o som da Janis acompanha-me e leva-me a outros espaços e a outros momentos, o desgraçado do semáforo ficou vermelho (porra, quem é que se lembra de pôr uma merda de um semáforo no meio do nada, porra), chega o cruzamento (e agora sei lá eu para onde é que se vira…, bem deve ser por aqui), leio as placas e zás, lá está (aqui convém omitir o número absurdo de vezes em que achei estar perdida, e estava…).
Estaciono a Estrela, vermelho, extravagante, (assim mesmo à gaja) à porta do Café Central (sim, porque aldeola que é aldeola, ou vilarejo que é vilarejo, tem de ter um “Café Central”) e pergunto ao rapaz estacionado atrás do balcão “Diga-me uma coisa, por favor, qual é o local da moda agora???”. O rapaz gagueja, tentando disfarçar aquela observação inevitável “Não é de cá, pois não?”. Claro que não sou de lá e o gajo até sabe, mas pronto… Respondo “Não, não sou… acho que me perdi… e a estas horas convém pensar em comer qualquer coisita, dar uma voltinha para conhecer o ambiente e o pessoal da terra e depois arranjar um local simpático para dormir um pouco… amanhã, consigo ver melhor a estrada, não acha?” E aqui o meu ouvinte declara “Claro, então ia agora assim sozinha a estas horas da noite, capaz de se perder por aí…”. Como esperava, dá-me o cardápio completo: onde jantar, onde encontrar os amigos dele, e a ele próprio, logo mais para beber um copo e até onde pernoitar. Janto. Verifico a maquilhagem e o cabelo, lavo os dentes (bem, não necessariamente por esta ordem mas o verbo verificar dá mais jeito para iniciar a frase), retiro da mala aquela amostra do perfume e mergulho-me no seu aroma. Saio, com aquele passo bamboleante que só promete, e dou por mim num barzinho provinciano a abarrotar de malta. Distraidamente, dirijo-me ao balcão e peço uma imperial (Haverá??? Se não houver, pode ser uma Superbock). Como quem não quer nada, observo o ambiente e topo-o. Ah, pois topo… Assumo aquele ar inocente e pergunto a um moçoilo qualquer que, pelo toque, parece ser dali: “Aquele rapaz que está acolá não é o Bob ou será que estou a fazer confusão? Há tanto tempo que não o vejo. E se não é…, já viu a barraca.”. Resposta:”Aquele ali…nãão… aquele é o Roberto”. E eu farta, fartíssima, de saber que é o Roberto. (Óbvio, não?! Quem, no seu são juízo, é que se atavia a rigor só para se perder, algures, neste imenso oceano de dissertações??? Quem???). Esgueiro-me e… sou surpreendida… O salto agulha da minha sandália preta ficou preso numa merda qualquer… bolas… que merda… agora vou ter de descalçar esta coisa. Quase que caio. Sou ajudada por uns simpáticos transeuntes e agradeço. O meu pé não ficou muito bem… dói-me o tornozelo. Peço o favor de me deixarem sentar para observar as sequelas e penso “Daasse, fazes tu uma porradona de quilómetros para te estatelares mesmo à frente do nariz do gajo e, ainda por cima, o fulano nem se mancou.” e… sou surpreendida… Não, não!!! Sou mesmo surpreendida. Alguém me pergunta: “Atão, ‘tás mal???” Aí, não há santo que aguente. ‘Tás mal??? ‘Tás mal??? Preciso de tempo para pensar e repito ‘Tás mal??? Penso, digo-lhe que estou cheia de dores e salto-lhe para o colo?, digo-lhe que vá para o raio que o parta com a pergunta e salto-lhe para o colo?, digo-lhe que é preciso ter azar e salto-lhe para o colo?, digo-lhe…. Penso em dizer mas vocifero, para me fazer ouvir no meio daquele ruído que se tornou infernal, “Eu??? Nããã… ‘Tou aqui mais fresca c’uma alface.”.

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